Opinião

Educar para cidadania, uma missão

Quinta-feira, 30 de Janeiro de 2020
Autor: Cassyra L Vuolo
Fonte: Site TCE MT

Ao escrever sobre este tema, Educação para a Cidadania, devo, de início, deixar claro que não tenho formação em pedagogia. Não sou uma educadora. Nos bancos da Universidade Federal de Mato Grosso, estive com o saudoso Silva Freire, "Carlão", Hélio de Magalhães Navarro, José Vidal e outros grandes mestres a desbravar os mares das ciências jurídicas. Logo, conto aqui sobre experiência vivenciada em ações de estímulo ao exercício da cidadania e do controle social desenvolvidas nos últimos 16 anos no Tribunal de Contas de Mato Grosso. Falo como participante direta de uma rica atividade. E posso não ter chegado ainda às veredas longínquas da pretensão da proposta, mas acho que fui bem até onde os meus pés caminharam. É uma história que envolveu mais de 25 mil jovens e cerca de 80 escolas.

 

Voltemos a 2001. As ações de educação de crianças para cidadania nasceram com o Projeto TCEstudantil, como uma forma de estimular jovens a terem consciência da importância de exercerem a sua cidadania, conhecerem seus direitos e deveres, participarem ativamente da gestão de sua escola e de conhecer, avaliar e propor melhorias nos serviços públicos prestados no seu bairro e na sua cidade. Era, ao mesmo tempo, uma ação desafiadora, levando-se em conta ser o próprio TCE-MT um desconhecido da população e, à época, estar focado em apresentar a sua importância republicana e democrática para a sociedade, além de envidar todos os seus esforços técnicos na operacionalização da recém aprovada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).


Naquela altura, articular com os estudantes, trazê-los em visitas programadas para conhecer o Tribunal de Contas era como fazer valer a proposta de Manoel de Barros: "dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha." E entre begônias e gravanhas, o projeto foi sendo executado e marcou o início da aproximação do TCE com a juventude mato-grossense.

 

Aceitando este desafio, o TCE-MT trouxe os primeiros estudantes para visitarem suas instalações em 20 de novembro de 2001. De 2002 a 2005, deu-se continuidade a essas visitas e foram identificadas as oportunidades de melhoria e os pontos fortes da ação. Em 2006, o projeto se institucionalizou sendo inserido no planejamento estratégico de longo prazo do Tribunal, o seu público passou a ser também estudantes de ensino médio da rede pública e privada e foi firmada a parceria entre o TCE-MT e a Secretaria Estadual de Educação, Esporte e Lazer (Seduc). No colegiado do Tribunal, o grande entusiasta do projeto sempre foi o conselheiro Antonio Joaquim.


Um reforço para o projeto foi o lançamento do GIBI em quadrinhos do TCE-MT, em 2003. Ele passou a dar suporte aos conteúdos abordados durante as visitas e foi transformado em desenho animado, com legendas em português, inglês, espanhol e LIBRAS e versão em braile. Do lançamento até este ano, foram impressos e distribuídos mais de 100 mil exemplares, com o GIBI sempre utilizado em outros atividades de estímulo ao controle social realizadas pelo TCE-MT.

 

Neste ponto, as atividades também passaram a ter acompanhamento pedagógico e técnico e os materiais elaborados especificamente para o projeto tinham seu conteúdo discutido em conjunto com a Seduc. Todas as visitas passaram a ser avaliadas com questionários que permitem a análise do perfil dos participantes, do potencial participativo, da percepção da qualidade dos serviços públicos prestados no seu bairro, a percepção da qualidade da educação na sua escola, nível de conhecimento do Tribunal e seus canais de comunicação com a sociedade.

 

Ao captarmos as vozes, as críticas, as sugestões e elogios das crianças, deparamos com meninos e meninas que diziam, com sinceridade juvenil, dispostos a vender seu voto se pagassem o preço que eles fixassem, que mostraram abertamente não conhecer seus direitos e deveres, ou que sequer respondiam todas as questões formuladas e se mostravam pouco participativos.

 

Ao longo destes 16 anos, uma revolução: os visitantes atuais rejeitam a ideia de vender o seu voto, um número cada vez maior diz conhecer seus direitos e deveres, muitos fazem questionamentos durante as palestras e respondem todas as perguntas do questionário de avaliação, apontando pontos de melhoria para a educação, elaboram críticas, sugestões e denúncias, requerendo melhorias para sua escola e cobrando serviços para o seu bairro.

 

Dentre elas, destaca-se o questionamento feito por um aluno da Escola Estadual Presidente Médici, de Cuiabá, que queria saber o destino do dinheiro arrecadado pela diretora da escola com o aluguel de espaço daquele patrimônio público. Após o TCE encaminhar a denúncia para a Seduc, esta realizou uma visita técnica ao local, determinou a realização de licitação para exploração do uso do espaço físico e, ainda, que fosse feita mensalmente uma prestação de contas. Resultado da ação de educação para a cidadania. À propósito, todas as demandas dos alunos recebidas durante as visitas do TCEstudantil são encaminhadas para a Seduc, para a direção da escola, ao prefeito, controlador interno e ouvidor do município e, ainda, a ouvidoria do TCE-MT.

 

Anualmente, com o TCEstudantil, o TCE-MT recebe a visita de cerca de 3 mil alunos do ensino médio e superior, totalizando, em uma década e meia, mais de 25 mil participantes. Boa parte deste público é formado por estudantes do 2º Grau, cerca de 10 mil, sendo que, destes, 8 mil são da rede pública. Outra preocupação é diversificar o público. O TCEstudantil sempre buscou atender o maior número possível de instituições de Cuiabá e Várzea Grande, sendo que das 76 escolas estaduais, 60 já estiveram no TCE, e dos 24 colégios particulares, 18 visitaram a instituição. Normalmente as visitas ocorrem às terças-feiras, oportunizando, entre tantas atividades, acompanhar uma parte da sessão de julgamento do Tribunal Pleno. E a recepção, obrigatoriamente, é feita com a manifestação de um conselheiro ou procurador de contas.

 

Os frutos dessa articulação também estão sendo colhidos em ações concretas de cidadania realizadas pelos jovens na sua comunidade. Exemplo disso: os alunos da Escola Estadual Terezinha de Jesus que, após elencar os principais problemas enfrentados no bairro, protocolaram requerimento na Prefeitura de Várzea Grande relatando a situação e solicitando providências do setor público. Consequência direta do Projeto TCEstudantil, onde aprenderam a importância de fiscalizar e acompanhar os resultados da gestão pública.
As pesquisas também contam sobre essa experiência. Apesar de mais de 98% dos participantes responderem estar satisfeitos com as visitas ao TCE e as consideram importante para a ampliação dos seus conhecimentos em relação a gestão pública, 72% disseram que não existe na escola projeto de cidadania e apenas 16% conhecem a nota do IDEB da sua escola. Percentual este preocupante, ainda mais quando a maioria dos alunos informam desconhecer o que a sigla significa.

 

Apesar de todo esforço despendido até aqui ainda temos muito que avançar, aprender a trabalhar em rede utilizando as novas ferramentas de interação e comunicação para conseguirmos dialogar com esta "criança" que está "conectada" a maior parte do tempo. Em certa altura podemos pensar que estamos repetindo as atividades. Mas este trabalho deve ser permanente e contínuo. E, embora tenhamos que fazê-lo, miremos o futuro com olhar do poeta pantaneiro e vamos: "Repetir, repetir — até ficar diferente. Afinal, repetir é um dom do estilo.


Cassyra L Vuolo
Servidora do TCE-MT. Há 10 anos ocupa função de Secretária de Articulação Institucional e Desenvolvimento da Cidadania. Palestrante em controle social, cidadania e participação do cidadão nos processos decisórios da gestão pública.

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